30/03/2020 – As medidas de isolamento social obrigatório impostas para conter a pandemia do novo coronavirus revelam o lado cruel do desmonte de políticas públicas promovido por governos sucessivos nos últimos tempos e intensificado após o golpe de 2016. O governo Bolsonaro, como se sabe, aprofundou esse processo, cujos efeitos já começam a ser sentidos nas dificuldades enfrentadas por setores como saúde e educação, mas não só eles. Os hospitais sucateados ou o cancelamento de verbas para as universidades que atrasam pesquisas por novos testes de detecção do vírus e possíveis vacinas são apenas a ponta desse iceberg. Os impactos sociais de anos de negligência estão apenas no início: com a extensão das medidas de isolamento aumentam os riscos de desabastecimento no país, sobretudo para a população mais pobre, que depende do funcionamento normal das cidades para garantir comida na mesa.
Diante da necessidade de implementar medidas para garantir o bem estar das pessoas que estão isoladas em casa, a ação de empresas públicas como a CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) pode ser decisiva. Presente em todas as regiões brasileiras, a empresa mantém programas de abastecimento social, agricultura familiar, armazenagem, comercialização e estoques de produtos agrícolas, e deveria ser uma aliada fundamental em tempos de colapso econômico e preocupação com o futuro que chegaram a reboque da pandemia.
Na prática, contudo, o que se vê é outro cenário. Descomprometido com qualquer iniciativa que promova a inclusão social e redução das desigualdades, o atual governo vem promovendo a quebra dessa importante estrutura de combate à fome no país. Em 2019, entidades como a CONDSEF/FENADSEF e o SINTSEF-BA protestaram contra o fechamento de 27 dos 92 armazéns da CONAB, responsáveis por controle de preços, combate à fome, proteção a pequenos agricultores e atuação em casos de desastres, a exemplo de epidemias, através da distribuição de cestas básicas.
Além de atender aos desejos da bancada ruralista, a ação enfraqueceu significativamente o papel social da CONAB, que perde relevância ao não garantir o abastecimento, proteção à renda do produtor rural e a segurança alimentar. Sem a regulação, os preços sobem e tornam-se inacessíveis para quem mais precisa.
Diversos países do mundo investem na manutenção de estoques alimentícios reguladores, política pública voltada para minimizar os impactos de crises no abastecimento, como as que estamos na iminência de vivenciar. Ao entregar à iniciativa privada esse controle, o governo Bolsonaro ignora a necessidade de ter reservas e por isso mesmo dificilmente terá condições seguras de enfrentar a especulação e as oscilações de preços dos alimentos.
Em nota, a CONAB assegurou a continuidade dos serviços e o compromisso com a segurança de seus empregados durante a pandemia. Também garantiu o acompanhamento de preços para minimizar os impactos da crise na comercialização e abastecimento de produtos básicos à população, mas não deu detalhes de como isso será feito, com sua infraestrutura prejudicada.
Para Celso Fernandes, Coordenador de Comunicação e Imprensa do SINTSEF-BA e servidor da CONAB, é preciso combater a visão distorcida de que o serviço público é obsoleto e que a única solução é ser privatizado por supostamente não atender às necessidades da sociedade. “As deficiências são parte de um projeto maior, fruto do descaso governamental que, ao não promover os investimentos para as modernizações estruturais necessárias, deixa de garantir a relevância de órgãos e empresas que têm atuação essencial em momentos de crise”, explicou.